domingo, 18 de maio de 2025

Bembé do Mercado: religiosidade e cultura negra

Bembé do Mercado: religiosidade e cultura negra

No coração do recôncavo baiano, a cidade de Santo Amaro é palco de uma das mais fortes expressões da religiosidade afro-brasileira: o Bembé do Mercado. Considerado o maior candomblé de rua do país, o evento é uma celebração coletiva de fé, ancestralidade e resistência, que transforma o Largo do Mercado em espaço sagrado por meio de rituais, cantos, danças e oferendas aos orixás.

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A origem do Bembé remonta ao final do século XIX. Em 1889, logo após a abolição da escravidão no Brasil, o babalorixá João de Obá reuniu filhos de santo e pescadores em uma celebração pública de agradecimento aos orixás pela liberdade recém-conquistada. Aquele momento tornou-se um marco histórico: foi o primeiro culto de matriz africana realizado em praça pública, rompendo o silêncio imposto às práticas religiosas negras.

Desde então, o Bembé do Mercado transformou-se em tradição anual, reunindo dezenas de terreiros das nações Ketu, Angola e Jeje. A festa tem início com o Padê de Exu e se estende por vários dias de toques de atabaque, cânticos e rituais dedicados às divindades. Um dos momentos mais simbólicos é a entrega das oferendas a Iemanjá e Oxum, quando barquinhos conduzidos pelas águas do rio Subaé levam flores, comidas e objetos sagrados, acompanhados por rezas e cantos de axé.

O evento também é marcado por manifestações culturais que preservam e valorizam as tradições negras do Recôncavo. Capoeira, samba de roda, maculelê e o Nego Fugido — encenação que rememora as fugas de pessoas escravizadas — ocupam as ruas da cidade, unindo arte, espiritualidade e memória histórica.

Mais do que uma festividade religiosa, o Bembé do Mercado é um espaço de afirmação identitária e resistência contra o racismo e a intolerância religiosa. Reunindo mães e pais de santo, jovens, crianças e comunidades inteiras, a celebração fortalece a transmissão dos saberes ancestrais e reforça os vínculos entre gerações.

Ao longo dos anos, o evento conquistou reconhecimento oficial. Foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Bahia e, mais tarde, do Brasil. Mas seu maior valor está no simbólico: é no corpo que dança, no toque que ressoa e no canto que ecoa que o Bembé se mantém vivo — mantendo viva também a história de um povo que nunca deixou de lutar por sua liberdade.

Programação reforça fé, cultura e políticas públicas

Realizado anualmente entre os dias 10 e 18 de maio, o Bembé do Mercado movimenta Santo Amaro com uma intensa agenda de celebrações religiosas, atividades culturais e ações formativas. O dia 13 de maio é considerado o ponto alto da programação, por marcar historicamente a abolição da escravidão no Brasil e a realização do primeiro Bembé em praça pública.

Logo nas primeiras horas da manhã, às 5h, acontecem a alvorada e o hasteamento da bandeira no Largo do Mercado, seguidos da tradicional lavagem do busto de João de Obá e de um café da manhã comunitário. Ao longo do dia, manifestações culturais, atos religiosos e a cerimônia oficial de abertura reúnem terreiros, autoridades e representantes dos povos de santo.

O encerramento acontece tradicionalmente no dia 18, com a entrega das oferendas a Iemanjá e Oxum na Praia de Itapema, em um cortejo simbólico que liga a cidade ao mar. Mais de 60 terreiros participam das celebrações, que também incluem oficinas, feiras, rodas de conversa, exposições, lançamentos de livros e seminários.

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